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Ano 2 | Maio de 2025
Ouro Preto e os Tapetes da Semana Santa
Revista Mundaréu, 04 de abril 2025

Foto: Nino Stutz
Depois de reviver as Dores de Maria e os momentos da Paixão e Morte de Cristo, o Sábado de Aleluia marca o fim do longo e reflexivo período da Quaresma, iniciado logo após o Carnaval. É então que as ruas de Ouro Preto se transformam.
A mobilização para essa celebração é intensa. A Prefeitura organiza a logística — do tingimento da serragem à distribuição do material ao longo do percurso por onde vai passar a procissão da Ressurreição. A Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP) oferece suporte técnico e apoio, enquanto moradores e visitantes atravessam a noite empenhados na confecção dos desenhos. Uns criam livremente, outros seguem moldes. Crianças, adultos, famílias inteiras tomam as ruas para ajudar.
A regra é simples: qualquer pessoa pode participar da confecção dos tapetes, independentemente da crença, desde que o trabalho respeite os símbolos religiosos e o padrão estético da celebração. E, na manhã do Domingo de Páscoa, personagens bíblicos e dezenas de crianças vestidas de anjinho completam o cenário e puxam o cortejo, seguido pelos fiéis. É nessa hora que todo o esforço feito durante a madrugada se desfaz sob os pés da multidão, enquanto a procissão avança. Os tapetes poderiam até ser vistos como uma arte efêmera, mas é uma manifestação tão marcante que se eterniza na memória e no coração de todos que dela participam.
Uma tradição quase tricentenária
Os tapetes devocionais chegaram ao Brasil com os portugueses e se difundiram no período barroco, acompanhando o crescimento das cidades mineiras e sua forte ligação com o catolicismo. Em Ouro Preto, a tradição remonta ao Triunfo Eucarístico de 1733, na reinauguração da Matriz do Pilar.
Naquela época, fiéis vestidos de gala enfeitaram o caminho da procissão com flores e folhagens. Com o tempo, o costume se transformou na confecção dos tapetes, que passaram a ser elaborados com materiais diversos. Hoje, eles fazem parte tanto da Semana Santa quanto da festa de Corpus Christi.
Os tapetes simbolizam a acolhida de Jesus em Jerusalém, quando a população cobriu o caminho com ramos e mantos. Por isso, seus desenhos trazem símbolos religiosos que reforçam a fé e a devoção à Eucaristia.
Doces e alegria no Domingo de Páscoa
Ao final da procissão, os anjinhos em revoada recebem canudos recheados com amêndoas, deliciosos confeitos de açúcar preparados com chocolate, amendoim ou coco, temperados com erva-doce, cravo e canela. Essas guloseimas simbolizam a renovação da vida e a alegria da Ressurreição.
A entrega das amêndoas é feita por voluntários da paróquia e por famílias que mantêm viva essa tradição há gerações. Um gesto simples, mas carregado de afeto, que envolve as crianças na liturgia e na cultura popular ouro-pretana. E não são apenas elas que se encantam — muitos adultos estendem as mãos para reviver essa doce memória da infância.


Foto: Nino Stutz
Foto: Nino Stutz
O Teatro da Fé
Ivair Fabiano Silva é um dos ouro-pretanos engajados nas cerimônias de sua paróquia. Ele explica que as figuras que saem na Procissão da Ressurreição, no Domingo de Páscoa, são basicamente as mesmas que aparecem na sexta-feira da Paixão, na chamada Procissão do Enterro. E, segundo ele, são muitas: “A composição inclui personagens do Antigo e do Novo Testamento, todos com papéis definidos no teatro da fé que toma conta das ruas de Ouro Preto”.
Além de participar das encenações, Ivair também faz a locução na sexta-feira — é ele quem chama cada uma dessas figuras: “É um trabalho minucioso, porque o figurado é extenso. Há profetas, reis, apóstolos, soldados, personagens históricos e bíblicos. Tem o Barrabás, Pilatos, Herodes, José de Arimateia e Nicodemos — esses dois últimos são os que descem o Cristo da cruz na sexta-feira. E também tem o Anjo da Amargura. É muita gente!”
A guarda romana também participa das duas procissões, mas, na Páscoa, há uma diferença marcante: “Enquanto na sexta-feira ela entra em cena armada, com lanças e capacetes, no domingo ela aparece em missão de paz. Os capacetes são levados nas mãos, não há lanças, apenas uma espada simbólica, mais pela composição do que por qualquer mensagem de confronto. É como se todo o aparato de guerra tivesse se rendido à paz da ressurreição”, explica Ivair.
Ao longo dos anos, ele já viveu diversos desses papéis: “Já fui apóstolo, evangelista, José de Arimateia... Hoje, atuo principalmente na locução. É uma forma de estar dentro da história da paróquia — e também dentro da fé”.

Foto: Neno Viana
Memória e devoção
Nesta foto de 2004, conduzindo o pálio, está o então prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo, que hoje ocupa novamente o cargo, ao lado do Cônego José Feliciano da Costa Simões. Por 46 anos, Simões esteve à frente da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar, zelando pelas tradições da Semana Santa e pelo patrimônio histórico da cidade. Defensor incansável da arte sacra, lutou contra o roubo e a degradação das igrejas, conseguindo recuperar preciosidades, como a imagem de Nossa Senhora das Mercês, esculpida por Aleijadinho e desaparecida desde 1962.
Padre Simões faleceu em 2009, aos 78 anos, deixando um legado de fé e resistência. Mas, para muitos, sua lembrança mais doce vem de um gesto simples: ao fim da procissão do Domingo de Páscoa, distribuía balas às crianças na Malhação do Judas, mantendo viva a alegria popular entre os ritos da Semana Santa.