
Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil
Ano 2 - Outubro de 2025

Alda e o centenário da poeta que não se curvava ao tempo
Revista Mundaréu, 29 de junho de 2025

Imagem da capa do livro Vislumbres, de Alda, editado em 1977 por André Carvalho (Editora Comunicação). Ilustrações da pintora Santa
A partir deste mês de julho, a Revista Mundaréu inicia uma homenagem contínua e afetuosa à poeta Alda Freire Soares de Sá — Alda Stutz, ou simplesmente Alda, como costumava assinar. Em 24 de outubro de 2025, completam-se 100 anos de seu nascimento e por isso, ao longo dos próximos meses, compartilharemos, em pequenas doses, trechos de sua vida, colaborações de amigos e fragmentos da sua poesia.
Nascida em Teófilo Otoni, filha única de Altino Soares de Sá e Thereza Freire, Alda foi desde cedo tocada pela palavra. Ainda jovem, mudou-se para Juiz de Fora para impulsionar seus estudos em Letras. No tradicional colégio Granbery, foi contemporânea de grandes nomes da cultura brasileira, como o antropólogo e futuro ministro da Educação Darcy Ribeiro.
Ainda bem jovem, com apenas 17 anos, Alda envolveu-se com a política e, ao publicar críticas ao Estado Novo em um jornal da época, despertou a preocupação da família, que decidiu enviá-la para os Estados Unidos. Lá, ela aperfeiçoou seus estudos em Língua Inglesa e conheceu Milton, um jovem subtenente da marinha americana recém-chegado da Segunda Guerra Mundial. Casaram-se, mudaram-se para o Brasil, fixaram residência em Belo Horizonte e tiveram quatro filhos: Robert, William, Denise e Victor.
Mais tarde, já desquitada, em tempos em que o divórcio ainda não existia legalmente, Alda fincou raízes em Ouro Preto, onde morou no número 17 do Largo do Rosário, um sobrado em frente à igreja. Por um breve período, dividiu o espaço com a pintora Santa, parceira no seu primeiro livro, e o escultor Amilcar de Castro. Depois, mudou-se para a Rua Gabriel Santos, ou como os ouro-pretanos costumam chamar, a Rua de Cima, também no Rosário, uma travessa sem saída onde a escritora fez morada com seus livros.
Alda (1925 -2012) também entrelaçou suas palavras com expressões artísticas, sua obra, espalhada em cadernos e publicações esparsas, agora será revisitada sob a luz do centenário. Em cada publicação, vamos tentar trazer um pouco da escritora que encantou quem a conheceu e que continua a viver em suas palavras. A contagem já começou.

Fragmentos do Diário de Alda, maio de 1944
"Há uma semana de arte moderna acontecendo na cidade, Invenção de Juscelino, que, no meio dos políticos caquentos, parece ter um espírito diferente. Apesar de ser ligado a essa malta da ditadura, sente-se que tem ideias democráticas e, acima de tudo, coragem para enfrentar o falatório daqueles que não o aprovam como prefeito da cidade. Ele faz coisas revolucionárias e não persegue ninguém. Dá apoio aos artistas e é simpático e risonho, e não casmurro como o governador Benedito Valadares. Eu o vejo sempre na casa de sua irmã Naná, casada com Júlio Soares, primo de meu pai. Contra a vontade de todos os burgueses da cidade, construiu a Pampulha. Aquela gente retrógrada não aceitava ter obras de dois comunistas: Portinari e Niemeyer. O arcebispo D. Cabral recusa-se a benzer a igrejinha de São Francisco da Pampulha. Santa ignorância.
A conferência de Sérgio Milliet foi na Biblioteca Pública, na Rua da Bahia. Fiquei impressionada com os debates que se seguiram. Artistas, escritores e estudantes discutiram coisas antes nunca ouvidas por mim. Falou-se em democracia plástica, houve brigas partidárias, e pessoas quase chegaram a exaltar-se. Estou aprendendo, ouvindo quieta no meu canto.
Amanhã será a vez de Oswald de Andrade. Disseram-me que ele está velho e ranzinza. É genioso e genial. Conheci Paulo Mendes Campos. Parece saber tudo que eu não sei sobre literatura. Prometeu-me um livro de Alain-Fournier: Le Grand Meaulnes. Lá vou eu queimar as pestanas no meu francês."
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