
Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil
Ano 2 - Outubro de 2025

EXCLUSIVO
Cristiano Quintino conta tudo sobre o livro que resgata as origens do Clube da Esquina
Por Victor Stutz, de Ouro Preto
Revista Mundaréu, 28 de outubro de 2025
Atualizado em 4 de novembro de 2025
Por motivo da partida de Lô Borges — autor da canção que dá nome ao livro, voz eterna do Clube da Esquina e presença marcante no 1º FEC, em 1969 —, o lançamento foi adiado. Uma nova data será anunciada em breve.

O livro Primeiros acordes do Clube da Esquina – 1969 – 1º Festival Estudantil da Canção Popular – Minas Gerais, do jornalista e fotógrafo Cristiano Quintino, apresenta registros históricos relacionados ao surgimento do movimento que se tornou um marco na história da música mineira e brasileira: o Clube da Esquina.
O lançamento está marcado para o dia 5 de novembro de 2025, a partir das 19 horas, no Bar Museu Clube da Esquina (Rua Paraisópolis, 738 – Santa Tereza).
Editado com patrocínio da Mineradora Cedro, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, o livro contou com o apoio da jornalista Malu Praxedes, responsável pela coordenação editorial, e de Otávio Bretas (Tavinho), que assina a programação visual.
O processo de construção
Para Quintino, o festival de 1969 foi um divisor de águas, pois impulsionou a música mineira em uma época em que Belo Horizonte ainda não tinha tradição nesse campo — os grandes festivais aconteciam basicamente no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Seu livro traz imagens, depoimentos e reproduz matérias veiculadas na época, principalmente as da Força Nova de Comunicação, uma organização de mídia mineira dos anos 1970 que reunia a Rádio Itatiaia, a TV Vila Rica e o Jornal Diário de Minas.
Foi justamente no Diário de Minas que Cristiano encontrou o material que se tornaria a base de sua pesquisa. O autor também percorreu um longo caminho de entrevistas. “Fui conversando com cada um, e cada um ia falando o que lembrava. Mas muita gente já tinha se esquecido”, conta. Em 2008, quando começou o trabalho, algumas lembranças já estavam se apagando. Agora, em 2025, o esquecimento é ainda mais acentuado.
Um exemplo é o maestro Eduardo Lages, compositor da música Água Clara, vencedora do festival. Ele, que trabalha com Roberto Carlos desde 1977, já não se recordava do evento. O mesmo aconteceu com Nelson Motta, quando foi entrevistado por Cristiano. Em contrapartida, muitos artistas lembraram de detalhes preciosos. Joyce Moreno, que interpretou Yara Bela, de Toninho Horta, no festival, fez um depoimento riquíssimo, cheio de histórias. Elza Soares, quando entrevistada, destacou que, entre todos os eventos dos quais participou, os que mais gostava eram os estudantis, justamente por não terem caráter comercial e por revelarem muita gente talentosa.
O prefácio, escrito por Márcio Borges, recorda um momento marcante ocorrido após o encerramento do festival de 1969, quando músicos e amigos se reuniram na casa da família Borges, em Santa Tereza. Foi ali que Lô Borges sentou ao piano e contou que acabara de compor uma música em homenagem aos Beatles. Convidou então Fernando Brant e o irmão, Márcio, para escreverem a letra. Assim nasceu Para Lennon e McCartney: a primeira parte (“porque vocês não sabem do lixo ocidental”) é de Márcio; a segunda (“eu sou da América do Sul, eu sei, vocês não vão saber”) é de Fernando.
Cristiano Quintino relembra que “a casa inteira começou a cantar junto, e foi uma coisa maravilhosa, que surgiu justamente no dia em que o festival terminou”.

ENTREVISTA COM O AUTOR
Mundaréu: Como o fotógrafo e jornalista se envolveu naquele cenário musical e por que o Festival de 1969 marcou o início do Clube da Esquina?
Cristiano: O Primeiro Festival Estudantil da Canção Popular, de 1969, foi o tema da minha monografia de formatura, pois eu estava lá presente. Havia uma banda formada por Bernardo Quintino Santiago, meu primo, na bateria; Carlos Felipe Silviano Brandão, o Ipi, também meu primo, na guitarra; Francisco Assis, o Jack Bosmans, no teclado; e Marco Antônio Araújo. Eles tocavam nas horas dançantes do Automóvel Clube, onde pedi Flávia, minha esposa, em namoro. Isso foi em agosto e, pouco depois, aconteceu o festival. A Flávia estava torcendo por essa banda, a Vox Populi.
O Bob Tostes foi o organizador do festival e chamou o Angelo Oswaldo, os dois eram produtores culturais na época. Eles convocaram os jurados mineiros e divulgaram o lançamento do evento pela Rádio Itatiaia e pela TV Vila Rica. Foram inscritas 938 músicas, e foi feita uma seleção até chegar a 45. Foram três dias de shows e, para as eliminatórias, vieram outros jurados de fora: Egberto Gismonti, Paulo Sérgio Valle e vários outros se juntaram ao júri mineiro.
E foi ali, no festival de 69, como conto no livro, que o pessoal do Clube da Esquina realmente se encontrou. A música Clube da Esquina concorreu, mas o Milton não participou porque não era estudante. Ele e Fernando Brant já tinham conquistado o segundo lugar no FIC – Festival Internacional da Canção, com Travessia. Ali, a canção Clube da Esquina foi defendida em dueto por Márcio Borges e Marilton Borges, mas não chegou entre as finalistas. Como vai minha aldeia, de Tavinho Moura e Márcio Borges, ficou em segundo lugar, e Toninho Horta levou o terceiro, com Canto de desalento, interpretada por Luiza. Toninho conquistou também a quinta colocação com Yara Bela, interpretada por Joyce, com ele na guitarra e Naná Vasconcelos na percussão. Túlio e Clarice Mourão ficaram em quarto, com Refractus.
No livro, nos depoimentos do Flávio Venturini e do Vermelho, que depois fizeram a banda 14 Bis, eles comentam que ficaram impressionados, principalmente com a música Equatorial do Lô, Beto Guedes e Márcio Borges, eles contam que influenciou muito a carreira deles.
Mundaréu: Mesmo em um período de forte repressão, o clima político chegou a interferir no festival?
Cristiano: A gente tinha ali 17, 18 anos, todo mundo muito novo, e vivia sob o regime do AI-5. Mas, como era um festival estudantil, organizado por uma empresa mineira, não havia muita repressão, diferente do FIC de 67, em que os militares já estavam presentes, ouviam as músicas antes e policiavam as letras. No FEC era só a garotada. Mas a turma era engajada. Certa vez, o pessoal estava na varanda da casa dos Borges jogando futebol de botão, quando Salomão, o pai, chegou com um jornal trazendo a foto de Che Guevara morto. Foi o que inspirou o filho, Márcio Borges, na letra de Como vai minha aldeia, no trecho que diz:
“No meio da praça passou / do meio da noite surgiu o meu pai / e meu pai me mostrou / seu retrato morrendo na rua / e seu tempo ali parado / e seu povo ali parado / minha gente que nunca mudou.”
No próprio festival, não houve nenhuma repressão, nem letras proibidas. Mas, depois, nas gravadoras, a história foi diferente.
Mundaréu: Mas Belo Horizonte ainda era pequena, e o pessoal do Clube realmente não se conhecia?
Cristiano: O festival foi o cenário do encontro natural do pessoal do Clube da Esquina, que se conheceu ouvindo as músicas nos ensaios e procurando se aproximar uns dos outros. Toninho só conhecia Beto e Lô de vista, porque eles moravam ali na avenida Amazonas com Tupis, no prédio conhecido como Balança Mas Não Cai, onde os Borges moravam, e onde, inclusive, o Lô conheceu o Bituca.
Veja você que, depois, o Milton convidou o Lô Borges para gravar o disco Clube da Esquina, em 1970, e o pessoal da gravadora Odeon viu o talento que ele tinha, especialmente na música Girassol da cor de seus cabelos. A gravadora exigiu então que ele gravasse um disco solo, no mesmo ano do álbum Clube da Esquina. Assim nasceu o disco que a gente até hoje chama de Disco do Tênis. Na época, o pessoal teve um prazo apertado para entrega. Márcio Borges fez duas letras, Ronaldo Bastos escreveu uma e Tavinho Moura outra. Nesse disco, foi a primeira e única vez que o Lô escreveu nove letras, foram nove poemas dele. E foi um álbum revolucionário. O pessoal que tocou, como o Sirlan, também influenciou muito. Foi uma geração inteira inspirada por aquele momento. Eu decidi resgatar essa história do FEC porque acho que tudo isso foi importante, e quase ninguém conhece bem essa história.
Mundaréu: Foi depois do festival que a convivência entre os músicos continuou de forma próxima?
Cristiano: Tanto continuou que, logo após o encerramento do festival, o Toninho Horta passou a dar aulas de violão para Beto Guedes, Lô Borges, Túlio Mourão e o Sirlan. Eles se reuniam na casa do Toninho, no Horto, para jogar bola e estudar música. Beto e Lô achavam que o Toninho era um músico complicado, cheio de harmonias sofisticadas, enquanto o Toninho via os dois como roqueiros que só gostavam de Beatles. E foi assim que foram se conhecendo melhor, Aquele festival realmente fez com que um se apaixonasse pela música do outro.
E todos ganharam, né? O Milton, que estava na plateia, viu tudo, assistiu às suas músicas sendo interpretadas e, com o coração e os ouvidos atentos, decidiu reunir aquela turma toda para ir, no ano seguinte, para Mar Azul, a praia onde eles se hospedaram para compor o álbum Clube da Esquina.
A partir dali, a vida deles mudou completamente. Cada um seguiu seu caminho, mas sempre conectados, tocando nos discos uns dos outros, compondo juntos e sendo constantemente convidados pelas gravadoras para novos trabalhos.
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O olhar musical do fotógrafo
Após o período dos festivais, Cristiano iniciou sua trajetória profissional no universo da música por meio da fotografia. Seu primeiro trabalho de capa foi para o disco Engenho Trapizonga, de Tavinho Moura, convite que marcou o início de uma série de colaborações com grandes nomes da música mineira. A produção foi realizada na própria gravadora, no Rio de Janeiro, onde o fotógrafo conheceu o departamento gráfico da Odeon, os produtores e o ambiente criativo que envolvia os lançamentos fonográficos da época.
Pouco tempo depois, foi convidado por Lô Borges para criar a capa do álbum Sonho Real. Novamente no estúdio da Odeon, trabalhou em paralelo às gravações, que tinham Ronaldo Bastos como produtor e Bituca (Milton Nascimento) entre os músicos. Enquanto elaborava o conceito visual do disco, Cristiano registrou também momentos de bastidores no estúdio. O terceiro andar da gravadora, onde havia um pequeno bar, servia de ponto de encontro entre artistas e técnicos. Era um espaço descontraído, de trocas e celebrações, que ele descreve como um verdadeiro retrato do espírito criativo da época.
Na viagem de volta a Belo Horizonte, dividiu o voo com Lô Borges e Gonzaguinha. Durante a conversa, comentou com o cantor o desejo de trabalharem juntos, e Gonzaguinha prontamente aceitou. Pouco tempo depois, Cristiano realizou a sessão de fotos para o novo projeto do artista. As imagens, no entanto, nunca chegaram a ser vistas pelo compositor, que faleceu tragicamente em um acidente de carro durante uma turnê.
A partir dessas experiências, o fotógrafo consolidou uma carreira profundamente ligada à música. Produziu capas e registros visuais para Toninho Horta, Lô Borges, Tavinho Moura, Beto Guedes e Milton Nascimento. Com Horta, realizou o maior número de trabalhos; com Borges, criou três capas; e com Moura, diversas outras. Para Beto Guedes, assinou o design de um DVD, enquanto com Milton colaborou no songbook mais recente do cantor, fotografando e criando a arte de capa.
