
Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil
Ano 2 - Outubro de 2025

Festival de Inverno de Ouro Preto: 58 anos de cultura e movimento
Revista Mundaréu, 15 de junho de 2025
Quase seis décadas depois da estreia, a cidade já prepara nova edição do evento que consagra Ouro Preto como um polo cultural de referência nacional

Foto: Arquivo UFMG
Mais uma vez, as ruas de Ouro Preto se preparam para um mês de celebração. De 03 a 30 de julho de 2025, o Festival de Inverno tomará a cidade com o tema “Entre Minas e memória, Ouro Preto vive: uma celebração da cultura popular”. Promovido pela Prefeitura Municipal, o evento reafirma sua vocação original: ser espaço de formação, festa e transformação cultural.
A abertura será marcada por um dos momentos mais simbólicos do calendário local: a Folia do Divino de São Bartolomeu, que no dia 03 de julho parte da Casa de Gonzaga em cortejo devocional, reunindo cantos, danças e fé popular. A festa se intensifica no dia 08 de julho, quando Ouro Preto celebra seus 314 anos de fundação, com shows, intervenções artísticas e ocupações culturais espalhadas pelas ladeiras, igrejas e praças.
A Revista Mundaréu, que nasceu para valorizar os diálogos entre cultura, identidade e território, quer estar presente nesta nova edição, se possível, para registrar tudo: dos bastidores aos palcos. Afinal, assim como o Festival de Inverno de Ouro Preto, a Mundaréu também foi feita para quem compreende que cultura é vínculo, memória, celebração, tradição, patrimônio, afeto e movimento.
Da origem e dos bastidores do Festival
Foi em 1967 que uma ideia ousada encontrou seu palco natural.Os professores Haroldo Matos, da Escola de Belas Artes da UFMG, e Berenice Menegale e Maria Clara Dias Paes, da Fundação de Educação Artística, lançaram as sementes do que se tornaria um dos mais importantes projetos culturais do país. Sonhavam alto: um curso de férias que fosse também festival, encontro, formação e ocupação da cidade histórica.
A estreia do Festival de Inverno da UFMG foi tímida, mas eficaz, com atividades apenas nas áreas de Música e Artes Plásticas. Logo, porém, o evento se tornou sinônimo de experimentação, performance e pluralidade — palco para novas linguagens e berço de grandes nomes da cena nacional. E, daí pra frente, o festival atraiu cada vez mais artistas, estudantes e pesquisadores do Brasil inteiro — e do mundo também. Foi crescendo, edição após edição, como um organismo vivo, vibrante, imprevisível e transformador.
Desde os primórdios, o Festival de Inverno de Ouro Preto é reconhecido como um verdadeiro viveiro de talentos. Foi berço de grupos que marcaram profundamente a cultura brasileira, dentre eles, o Grupo Corpo, que se tornou uma das companhias de dança contemporânea mais renomadas do país. Outro destaque é o Grupo Galpão, criado em 1982 a partir das oficinas ministradas durante o Festival por professores alemães enviados pelo Instituto Goethe, especialistas em teatro de rua e técnicas circenses. Já o Teatro de Bonecos Giramundo, criado oficialmente em 1970, também recebeu grande impulso com suas apresentações e oficinas no Festival. Na música, o Uakti, que ganhou forma em Belo Horizonte, foi inspirado pelas experiências sonoras vivenciadas durante o Festival. O grupo instrumental tornou-se conhecido pela construção e uso de instrumentos não convencionais. Por fim, o Ars Nova, coral da UFMG criado na década de 1950, que alcançou projeção nacional e internacional graças às suas participações no Festival.
Ao longo dos anos, o Festival enfrentou crises, censura, repressão policial e, mesmo cercado pelos camburões em torno da Praça Tiradentes, manteve firme o compromisso com a liberdade criativa, com a extensão universitária e com a cultura como direito. Nascido pelas mãos da UFMG, que o realizou durante décadas como uma proposta experimental e educativa voltada às artes, o evento passou por inúmeras dificuldades e chegou a ser transferido para outras cidades, como Belo Horizonte, Poços de Caldas e Diamantina. Mas a marca, que já havia se enraizado em Ouro Preto como patrimônio da cultura local, acabou retornando para Ouro Preto, de onde nunca deveria ter saído. Hoje, é realizado pela Prefeitura, que articula parcerias para manter viva, nos meses de julho, essa tradição.
O Grande “Pai” do Festival
Entre os diversos nomes que ajudaram a construir todo o legado do Festival, Júlio Varella (1935-2021) destacou-se como uma figura-chave. Varella foi ator, diretor, gestor e produtor incansável, talvez o mais importante de Minas Gerais, atuando com ousadia e pioneirismo nas artes cênicas, música, dança, literatura e artes plásticas durante as décadas de 1960, 70 e 80.
Antes mesmo do Festival, Júlio já era presença marcante na cena cultural mineira: dirigiu o Teatro Marília, criou o Teatro Experimental, foi produtor da Orquestra Sinfônica da UFMG, do Ars Nova – Coral da UFMG e atuou na gestão do Teatro Universitário (TU-UFMG).
A partir de 1967, assumiu com rigor e paixão a produção do Festival de Inverno e, por 25 edições consecutivas, foi coordenador de programação, secretário-geral e diretor executivo do evento. Foi ele quem negociou com artistas, costurou apoios, criou pontes entre universidade e cidade, entre tradição e vanguarda.

Júlio Varella, precursor da produção cultural em Minas

Dos arquivos do Festival
Depoimentos: Yara Tupynambá, Álvaro Apocalypse, Efigênia Carabina, Marco Antônio Guimarães e Rodrigo Pederneiras (dos arquivos da UFMG, 1977 - 1987)

